f:Jaquelliny Lopes Live

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O que existe de mais bonito em mim
é a minha indignação,
é a minha raiva,
é o meu choro crítico,
é a minha firmeza crítica,
é a minha esperança na vinda do novo, na certeza da mudança geral,
é o meu amor pelo que há de bonito nas pessoas e na natureza –
pelo que as pessoas produzem na natureza e vice-versa.

Estive notando que
uma maçã é tão mais bonita e saborosa
quando você imagina a chuva irrigando o chão em que ela se desenvolve,
as mãos do agricultor na enxada desde bem cedo até tarde,
a hora do almoço dele, na sombra, saboreando a quentinha já fria como fosse um verdadeiro banquete,
o tempo de espera pela maçã, as crianças correndo em torno da casa,
as crianças correndo em torno da casa pobre enquanto esperam,
a chaleira esquentando água pro café de tardezinha,
as panelas poucas, o barro
o vestido da mulher,
a alegria do agricultor ao constatar o sucesso da safra
suas mãos – sua alegria, sua esperança, medos, dor, seus amores – em contato com a maçã,
o caminho na carroça de burro até a feira,
o assobio do condutor do burro até, seus pensamentos pelo caminho
a maçã em contato com a madeira da barraca,
a maçã tocada, medida, apreciada, pelas mãos dos trabalhadores,
a maçã com o cheiro da manhã e das vozes dos vendedores, dos seus lamentos
a maçã que tem o preço do trabalho do homem –
que carrega, também, inocente, o sujo da mais-valia. Sim, porque nem a mais inocente maçã escapa às leis econômicas de seu tempo. –

E, enquanto pensava, me ocorreu que,
assim como as maçãs e as tesouras,
eu, também produto de meu meio e de minha biologia,
eu também posso ser bonita:

Por exemplo, minha boca pode ser muito bonita quando fala das qualidades humanas, quando diz a verdade, seja sobre arte ou sobre política – neste caso quando denuncia porque os senhores do mundo esforçam-se tanto para distanciar o povo da arte, financiando a produção de obras tão pobres de sentido que ininteligíveis.
Por exemplo, minhas mãos podem ser muito bonitas quando afagam uma criança ou acodem um passarinho na chuva e quando escrevem a verdade, seja sobre cultura ou sobre política – nesse caso quando denunciam quem são os que impedem o acesso a cultura ao povo pobre.
Ocorreu-me, pois, que todos os homens e mulheres podem ser muito bonitos. Quando comem maçãs, quando deslizam a faca sobre a manteiga, quando enfiam as mãos nos bolsos, quando enamorados, quando compram sabão, quando abotoam a camisa e calçam sandálias, quando trabalham e quando discutem política – nesse caso perguntando-se e respondendo-se uns aos outros com quem fica a riqueza que com suas mãos produz o povo -, desde que o façam com o genuíno amor dos indignados, dos que não se contentam, com a altivez dos que preocupam-se com a demora da mudança mas que não desistem de engendrar o mundo novo. E não desistem porque, assim como as xícaras, mesmo as mais finas, perdem a sua nobreza de coisa se uma mulher ou homem não lhe derrama e lhe sorve café, completando-lhe assim de significado, realizando-lhe a função de xícara, Assim também os homens, mesmo os mais elegantes, perdem a sua nobreza de pessoa  se as coisas bonitas do mundo não lhe tocam profundamente o espírito, fazendo-o deveras feliz, ou se, da mesma forma, não lhe corre nas veias profunda indignação com o que é reprovável e injusto. De forma que cheguei à conclusão de que, assim como cabe às xícaras comportar líquidos, é função última do homem o amor à justiça. E a beleza de seus membros e palavras está contida, portanto, em sua entrega à causa da justiça. Perguntar se um homem é justo é pergunta idêntica a inquirir sobre sua beleza.
Thaynnara Queiroz, militante da UJR.